Desafio Conexsus

Manter a floresta em pé e gerar renda são destaque na Oficina em Cuiabá

Atividades tiveram como participantes negócios comunitários do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, região refém do agronegócio e desmatamento

Representantes dos negócios comunitários sustentáveis participantes da oficina em Cuiabá. Foto: Sernon Nonres

Os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fazem parte de uma região estratégica para o meio ambiente, que abrange diferentes biomas, como Cerrado, Amazônia e Pantanal. O local é alvo de disputas territoriais pelo agronegócio e sua biodiversidade corre constante perigo. Fazem parte dessa região as 22 organizações que participaram da Oficina de Negócios Comunitários Sustentáveis do Desafio Conexsus, realizada entre 28 e 29 de agosto em Cuiabá (MT), pela Conexsus - Instituto Conexões Sustentáveis

O integrante da equipe Conexsus, Paulo Guilherme Cabral, destaca, além da diversidade de biomas, de pessoas e de grupos sociais da oficina, a integração. “O compartilhamento de experiências positivas com trabalhos já consolidados ou em processo de consolidação de negócios próximos entre si demonstra a necessidade de maior integração entre eles e entre parceiros e o setor público”, argumenta.

Outro ponto importante é a conexão com políticas públicas que visam o desenvolvimento sustentável e socioeconômico local. Durante a oficina, foi apresentado um arranjo institucional da Secretaria Estadual de Agricultura Familiar e Assuntos Fundiários (SEAF-MT) pelo superintendente de Agricultura Familiar, George Luiz de Lima, que explicou o arranjo do qual faz parte a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável de Mato Grosso (CEDERS-MT) e do Plano Estadual da Agricultura Familiar do Mato Grosso (PEAF-MT).

Participantes apresentam seus produtos durante a oficina. Alimentos agroecológicos ganham palco no evento. Foto: Sernon Nonres

“O Mato Grosso, maior estado produtor de soja do Brasil e um dos maiores exportadores do grão, tem nesse arranjo uma iniciativa pioneira que pode ser replicada nacionalmente, beneficiando os agricultores familiares”, explica Lima. Sempre com base em diagnósticos e em bancos de dados, o objetivo é oferecer espaço online para consulta de informações relacionadas ao tema, além de disponibilizar avisos sobre editais para compras públicas. “Esse sistema propõe somar esforços e agregar instituições que lidam com esse segmento de negócio. Assim, teremos subsídio para políticas públicas mais efetivas e participativas, que ouçam e atendam as demandas do público envolvido”, complementa.

Os objetivos do arranjo institucional do Mato Grosso caminham em conjunto com os eixos de trabalho do Desafio Conexsus, como aumentar acesso a mercados, a alternativas de crédito e ao trabalho em rede. “A ideia é alavancar os empreendimentos a partir das experiências e integração entre eles”, complementa Paulo Guilherme, da Conexsus.

Paulo Guilherme Cabral, da Conexsus, foi o mediador da oficina em Cuiabá. Foto: Sernon Nonres

Biodiversidade, desmatamento e Agronegócio

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) referentes a 2017, o estado do Mato Grosso foi responsável por 20% de todo o desmatamento ocorrido na Amazônia. Quase 90% desse desmatamento é ilegal. Tanto Mato Grosso como Mato Grosso do Sul são estratégicos para manter a floresta em pé. “Os negócios comunitários sustentáveis aparecem nesses locais como uma alternativa para o uso sustentável dos recursos naturais evitando desmatamento e ao mesmo tempo criando renda para aumentar a qualidade de vida das famílias que vivem ali”, explica Paulo Guilherme.

Ele também comenta sobre a carência de produção de alimentos que o Mato Grosso sofre. Os negócios sustentáveis contribuem não apenas com a segurança alimentar local como com a segurança nutricional, sendo fontes de produtos orgânicos, naturais, nativos e saudáveis. “Há a necessidade de que o estado produza alimentos para seu próprio consumo, para além da comercialização”, explica.

Algumas organizações participantes colaboram de forma significativa para o reflorestamento de áreas desmatadas ou em risco. Como a Associação Rede de Sementes do Xingu (RSX), que reúne sete etnias indígenas, comunidades de assentamentos e pequenos produtores rurais e urbanos na produção e comercialização de sementes nativas para reflorestamento de beiras de rios, nascentes, estradas e áreas que necessitam do retorno da floresta. O público principal são agricultores, empresas e fazendeiros que precisam compensar áreas de plantio com espaços florestais nativos.

A associação trabalha com 220 espécies vegetais e, nos mais de dez anos de atuação no Mato Grosso, já comercializou mais de 100 toneladas de sementes, com o reflorestamento de mais de cinco mil hectares e a geração de renda de R$ 2,5 milhões para os cerca de 500 coletores integrantes da organização. A experiência no ramo foi compartilhada durante a oficina em Cuiabá especialmente na área tributária.

“Antes, nas comercializações, quem tirava a nota fiscal eram os coletores ou a associação. Hoje concentramos as notas na própria rede, que recebe o recurso e depois repassa para os coletores. Isso facilita a comercialização e a transição financeira”, explica Oreme Otumaka Ikpeng, responsável pela fala inspiradora sobre modelo de negócios da Rede de Sementes durante a oficina.

Oreme Otumaka Ikpeng, da Rede Sementes do Xingu, fala sobre a proposta de reflorestamento da organização. Foto: Sernon Nonres

Trocas que geram crescimento

É comum que os negócios comunitários sustentáveis passem por desafios e percalços similares. A troca de experiências e observação de organizações que estão em momentos diferentes do processo de desenvolvimento, bem como o compartilhamento de experiências, são elementos importantes para o crescimento individual e conjunto dos participantes.

A Associação de Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul (APOMS) reúne, desde 2000, agricultores familiares do Mato Grosso do Sul dispostos a encontrar processos agroecológicos para fomentar a sustentabilidade de suas unidades produtivas e está em processo de transformação em cooperativa, a COOPERAPOMS. Para o representante da associação presente na oficina, Antonio Paulo Ribeiro, firmar contato com outras cooperativas, conhecer suas práticas e processos é uma etapa fundamental para o sucesso da nova fase da organização. “Foi muito bom observar negócios mais consolidados no cooperativismo, principalmente para entender esse modelo de negócios”, comenta.

Além de absorver o que outras organizações tinham a compartilhar, Antonio fez uma fala sobre comercialização para inspirar os demais participantes. A Associação tem uma Central de Comercialização no município de Dourados (MS) e também conta com o apoio constante da cooperativa de crédito Cresol, que possibilita financiamento mais acessível aos agricultores familiares. “Toda a parte contábil da associação passa pela cooperativa de crédito, o que facilita os processos de comercialização”, explica.

Entre os desafios apontados pelos participantes, destaca-se o acesso a crédito e a necessidade de formação de capital de giro para as organizações. A representante da Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca (ACORQUIRIM), Laura Ferreira da Silva, comenta que capital de giro seria peça fundamental para alavancar os negócios e dar mais visibilidade aos produtos da associação, que trabalha com extrativismo vegetal e horticultura, especialmente com a banana e derivados. “Além disso, poderíamos mostrar a qualidade que temos para o consumidor, com novos rótulos e embalagens. Podemos melhorar a infraestrutura, com aquisição de equipamentos e veículo próprio para transporte, que acaba sendo feito informalmente. Nossa ideia não é só produzir, mas também qualificar os participantes para melhorar a produção e o atendimento ao nosso público”, diz.

Ambiente de trocas. Foto: Sernon Nonres

Antonio Ribeiro, da APOMS, concorda e complementa: “A expectativa é que a gente mantenha essa conexão com outros negócios gerada pelo Desafio e discutir a logística para interligar grupos de produtores em um circuito, não só no mesmo estado, mas entre Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Assim conseguimos pegar a dinâmica de cada local e levar produtos para outras regiões”.

Desafio Conexsus 2018

A oficina faz parte de um ciclo de oficinas que teve início em junho, em Belém (PA), e deve ser replicada em mais 11 cidades até o outubro em diversas regiões do Brasil. Além disso, serão realizadas visitas técnicas a algumas organizações, atividades que devem abranger cerca de 300 participantes.

Os mais de mil negócios cadastrados no Desafio compõem o Mapa e o Panorama de Negócios Comunitários Sustentáveis no Brasil, com consulta online e aberta ao público pelo site www.desafioconexsus.org. O cadastro permanece aberto para organizações interessadas em participar do Desafio, que poderão participar de oportunidades futuras, bem como integrar a rede em formação.

Uma das expectativas é que estes empreendimentos, os parceiros cocriadores da iniciativa e outras organizações que compõem o ecossistema de negócios comunitários sustentáveis tornem-se uma rede ativa de fomento ao desenvolvimento sustentável, com a possibilidade de atrair e criar outras oportunidades além das já previstas no Desafio Conexsus 2018.

Após a realização das oficinas, 70 organizações serão convidadas a participar do Ciclo de Desenvolvimento de Negócios Comunitários Sustentáveis, que conta com uma jornada de aceleração, oficinas de modelagem de negócios, laboratório de soluções de acesso à comercialização e mercados e laboratório de crédito e soluções financeiras.

Participantes e Parceiros

Estiveram presentes na oficina em Porto Velho: Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), ECOA - Ecologia Em Ação, Instituto Centro da Vida (ICV), Instituto Gaia, IPAM Amazônia, Instituto Socioambiental (ISA), Rede Sentinelas da Floresta e Secretaria Estadual de Agricultura Familiar e Assuntos Fundiários (SEAF-MT).

Participaram as organizações comunitárias:

ACORQUIRIM - Associação da Comunidade Negra Rural Quilombo Ribeirão da Mutuca

ADERJUR - Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena

AJOPAM - Associação Rural Juinense Organizada para Ajuda Mútua

ALESPANA – Associação Leste Pantaneira de Apicultores

AMCA - Associação de Mulheres Cantinho da Amazônia

APOMS - Associação de Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul

AQUIMCA - Associação dos Produtores Rurais Quilombola Mata Cavalo Cabeceira do João Cuiabá

Associação de Pequeno Produtores de Furnas do Dioniso

Associação Quilombola Comunidade Negra Rural Jejum Poconé MT

CEPPEC - Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado

COAIT

COPRAN - Cooperativa dos Produtores Rurais da Região do Pulador de Anastácio

Organocoop - Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Agricultura Familiar de Campo Grande

COOPERTERRA - Cooperativa dos trabalhadores rurais da reforma agrária

Cooperativa Regional Prestação de Serviços Economia Solidária

COOPERQUER

COOPSOB – Cooperativa de Seringueiros de Ouro Branco

Cooperativa Coorimbatá Unidade de Frutas

Cooperativa dos Pescadores e Artesãs COORIMBATA
Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal

RSX - Associação Rede de Sementes do Xingu

São parceiros estratégicos da Conexsus: Good Energies Foundation, Grupo Pão de Açúcar, por meio do Instituto GPA, IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e Moore Foundation, Fundo Amazônia, Fundo Vale, Fundação Certi, GIZ /Cooperação Alemã para o desenvolvimento sustentável, Climate and Land Use Alliance (CLUA) e União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes).

São parceiros cocriadores do Desafio Conexsus: Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO), Central da Caatinga, Central do Cerrado, Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Coomafitt, Ecoa – Ecologia e Ação, Entrenós Planejamento Estratégico, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), Instituto BioSistêmico (IBS), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (IDESAM), Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania do Vale do Ribeira (IDESC), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto Gaia, Instituto Peabiru, Instituto Terroá, Instituto Socioambiental (ISA), IPAM Amazônia, Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Pacto das Águas, Sentinelas da Floresta, SOS Amazônia  e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Participantes da Oficina de Negócios Comunitários Sustentáveis em Cuiabá. Fotos: Sernon Nonres

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